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Jejum intermitente: uma boa estratégia nutricional?


A fim de compreender melhor as alterações metabólicas e fisiológicas ocasionadas pelo jejum intermitente (JI) em nosso organismo e se o resultado de um plano alimentar onde houve a implementação de tal estratégia é eficaz para a perda de peso, devemos primeiro conhecer a definição de jejum. O jejum consiste no ato de abstinência voluntária ou redução de alguns ou todos os alimentos, bebidas, ou ambos, por um período que pode durar de 12 horas a 3 semanas.


História do jejum

O jejum é uma tradição religiosa e cultural muito comum no islamismo, em que no período de Ramadã, que dura de 28 a 30 dias, o indivíduo pode consumir uma grande refeição após o pôr do sol e outra refeição antes do amanhecer do sol, passando as 12 horas do dia restante sem se alimentar e sem ingerir líquidos.


O jejum intermitente, semelhante ao jejum mencionado, se diferencia por não ter conexão com religiões e não exigir restrição da ingestão hídrica. Além disso, ele pode ocorrer em dias alternados, em um dia ou mais por semana, em que o indivíduo passa 16 horas em jejum e 8 horas sem jejum, por exemplo.


Jejum intermitente: atualidades

O JI vem sendo uma estratégia dietética muito utilizada devido à sua capacidade de diminuir a massa corporal e alterar índices bioquímicos como o LDL-c, HDL-c e colesterol total.

Quando o corpo está em jejum, este busca a manutenção da homeostase, tentando a todo momento manter os níveis glicêmicos. Para isso, há a mobilização de tecido adiposo para a produção de energia e consequente formação de corpos cetônicos, depleção de glicogênio muscular e hepático e redução da circulação de leptina.


Processos fisiológicos alterados pelo jejum intermitente

No JI o corpo mostra uma grande flexibilidade metabólica. Como substituímos a glicose por ácidos graxos e corpos cetônicos como fonte energia, algumas funções se mostram diferentes, como a troca gasosa dos pulmões (razão da produção de CO2 para o consumo de O2). Portanto, caso exposto ao jejum por períodos frequentes, o corpo humano possui a capacidade de criar uma resiliência natural, se adaptando e tentando voltar à homeostase. Quando este fato se repete consecutivamente, o corpo tem uma melhor adaptação ao estresse oxidativo proveniente do jejum. O estresse ocasionado pelo jejum é um gatilho para muitas mudanças positivas no metabolismo, como a maior produção de antioxidantes, reparo de DNA, regulação da inflamação, biogênese das células, mitocôndrias e controle da qualidade proteica.


Além disso, nas células, o jejum estimula a autofagia e a mitofagia, uma vez que tem a capacidade de inibir a síntese proteica da proteína alvo da rapamicina em mamíferos (mTOR), a partir da sinalização mediada por IGF-1. Isto faz com que as células consigam reciclar constituintes moleculares que não foram danificados pelo estresse oxidativo e remover proteínas e mitocôndrias que estão danificadas. Dessa maneira, tal processo ocorre em detrimento da síntese proteica durante um período, a fim de que o organismo possa manter os recursos moleculares e preservar a energia.


Por fim, estudos também comprovam uma ação cardioprotetora decorrente do JI. Como citado anteriormente, quando o jejum ocorre de maneira consecutiva, as células ficam mais adaptadas ao estresse celular, o que ajuda no controle da resistência à insulina e algumas dislipidemias, que são cofatores importantíssimos para a expressão de doenças cardiovasculares.


Jejum intermitente: efeitos na microbiota intestinal e ciclo circadiano

A microbiota tem um ciclo de substituição de bactérias, e este ciclo pode ser alterado tanto pela dieta, quanto pelo estilo de vida. Portanto, um indivíduo obeso pode ter uma microbiota desbalanceada e que prejudica as funções do intestino. A “microbiota obesa” tem o poder de “roubar” mais energia da dieta, enquanto um microbioma balanceado não interfere tanto na absorção de energia e nutrientes. Além disso, existem evidências que trazem que o jejum intermitente pode favorecer uma mudança na colonização de bactérias e repovoar o intestino e, assim, restaurar o microbioma. Portanto, acaba ajudando não só nas funções intestinais, mas também no metabolismo e no ritmo circadiano, que tem relação direta com a microbiota intestinal.


Nosso ciclo circadiano ocorre no relógio claro e escuro de 24 horas, e é sabido que os nutrientes e os horários das refeições influenciam no relógio biológico. Excluir ou reduzir consideravelmente a ingestão de energia durante o período da noite, o que acontece no JI, sincroniza a ingestão alimentar com tempos de resposta pós-prandial hormonal ideal e consequentemente o ritmo circadiano, impondo uma ingestão alimentar diurna, alinhada com o ciclo claro-escuro de 24 horas. Dessa forma, ocasiona melhora nas oscilações na expressão do gene do relógio circadiano, a reprogramação de mecanismos moleculares de metabolismo energético e melhor regulação do peso corporal.


Conclusão

Portanto, pode-se afirmar que a estratégia do JI tem muitos benefícios, como a resistência ao estresse oxidativo, a melhora do perfil lipídico, da resistência à insulina, a renovação mitocondrial, a maior produção de antioxidantes e a mudança e repovoamento da microbiota.


Entretanto, quando comparamos o JI com a dieta de restrição calórica convencional, não é noticiada uma diferença significativa para fomentar uma prescrição pela melhor eficácia dela a perda de peso. O que se pode dizer, até o momento, é que a dieta do JI é tão boa quanto a de déficit calórico para perda de peso, porém a segunda é muito mais testada cientificamente do que a primeira.


Para um estudo mais aprofundado sobre o tema, seguem abaixo algumas sugestões:


Artigos:

MATTSON, M. P.; LONGO, V.D.; HARVIE, M. Impact of intermittent fasting on health and disease processes. Aging Res Rev. v. 39, n. 1, p. 46-58, 2017. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC5411330/pdf/nihms831290.pdf

PETTERSON,R.E.; LAUGHLIN, G.A et al. Intermittent Fasting and Human Metabolic Health. Journal of the Academy of Nutrition and Dietetics, v. 18, n. 8, p. 1203-1212, 2015. https://jandonline.org/article/S2212-2672(15)00205-1/fulltext

STOCKMAN, M.C.;THOMAS, D. BURKE,J. APOVIAN, C.M. Intermittent Fasting: Is the Wait Worth the Weight? Current Obesity Reports, v. 7, n. 2, p.172-185, 2018. https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs13679-018-0308-9


Autores: Lucas Sampaio e Felipe Ribeiro⁩



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