Como é sabido, a nutrição se destaca como um dos fatores predominantes na performance em atividades físicas e na construção de um físico “ideal”. Além disso, o planejamento e a execução de um plano alimentar é capaz de reduzir a ocorrência de lesões, fadiga e, claro, aumenta a saúde do indivíduo.
Tendo em vista a relevância da alimentação, podemos enaltecer a importância de um planejamento estratégico e equilibrado que contemple todos os aspectos do indivíduo, variando na quantidade de calorias e macronutrientes necessários para a hipertrofia muscular até aspectos culturais e sociais. Contudo, há uma dúvida que perpassa gerações: “Há diferença entre uma proteína de origem vegetal e uma de origem animal?”
Por mais contraditório que pareça, a resposta é sim e não, tudo depende do contexto.
Digestibilidade e Aminograma
Se analisarmos por meio da digestibilidade (porcentagem das proteínas que são hidrolisadas pelas enzimas digestivas e absorvidas pelo organismo na forma de aminoácidos ou de qualquer outro composto nitrogenado) e do aminograma (quantidade de aminoácidos presente em determinada proteína), será possível observar que as proteínas de origem vegetal são em suma maioria, de baixo valor biológico (não apresentam todos os aminoácidos essenciais em sua composição). Vale destacar que a soja foge deste quadro, visto que sua composição proporciona todos os aminoácidos essenciais e apresenta uma boa digestibilidade.
Além disso, há um ponto interessante que precisa ser mencionado: esse cenário só ocorre quando comparamos alimentos isolados. Uma estratégia muito comum para pacientes vegetarianos estritos e veganos é diversificar as leguminosas secas e os cereais em uma mesma refeição, totalizando uma “proteína” completa. Isso também é observado em diversos suplementos proteicos de origem vegetal, geralmente há a mistura da proteína isolada de ervilha com a de arroz, proporcionando uma proteína final de alto valor biológico.
Proteína Animal vs Proteína Vegetal
Explicado a superfície teórica, vamos verificar o que a literatura traz:
De antemão, vale ressaltar que os resultados são conflitantes. Há estudos que demonstram superioridade do soro do leite; outros afirmam que a proteína de soja seria mais interessante; e ainda há aqueles que não encontraram resultados estatisticamente significativos entre os grupos.
Essas incongruências de resultados são observadas no estudo de LYNCH, H. et al. (2020), neste, foi conduzido um experimento duplo cego, randomizado com grupo controle, onde 61 participantes “não treinados” foram divididos em dois grupos. Ambos receberam o mesmo protocolo de treinamento, contudo, um deles recebeu suplemento de origem animal (19 gramas de whey protein isolado) enquanto o outro recebeu suplemento de soja isolado (26 gramas). Essa diferença de 7 gramas entre um suplemento e outro não é importante, visto que a ideia era atingir um total de 10g de aminoácidos essenciais e 1,8-2g de leucina.
Para atenuar os fatores externos, os pesquisadores solicitaram que os voluntários não alterassem suas dietas durante o estudo. Além disso, foi requisitado que os mesmos realizassem diários alimentares (dois dias da semana e um dia do final de semana), com o intuito de estabelecer o consumo total de calorias e macronutrientes.
Ao final das 12 semanas, os resultados obtidos demonstraram que não houve diferenças significativas entre os grupos, tanto em relação à aferição antropométrica quanto em relação ao ganho de força.
Ademais, os autores ressaltam as limitações metodológicas da pesquisa, caso da ausência de um grupo que recebesse cápsulas de maltodextrina ou um grupo que realizasse o treinamento, mas sem a ingestão de suplementos. Esses dois pontos são extremamente importantes, visto que não é possível saber se os resultados positivos foram provenientes da combinação do suplemento protéico e o exercício físico e se o exercício físico isolado ou com consumo de maltodextrina chegaria aos mesmos resultados.
Por fim, os pesquisadores concluem que após 12 semanas de pesquisa, ambos os grupos apresentaram resultados similares nos parâmetros estabelecidos e reforçam, caso o indivíduo opte por proteínas vegetais, o ideal seria consumir uma quantidade que atingisse um valor suficiente de leucina, se isso ocorrer, não há diferenças entre as proteínas.
Whey vs Proteína de Soja
Esses achados são corroborados pela revisão sistemática com metanálise de MESSINA, M. (2018) et al. De 62 artigos, somente 9 atenderam os critérios de inclusão. O artigo traz vários pontos interessantes, como a hipótese que sustenta a superioridade do soro do leite em relação à proteína de soja, neste caso: “Estudos demonstraram que a proteína de soja estimula uma menor síntese muscular em relação ao soro do leite, visto que sua composição apresenta um menor teor de leucina. Por conta disso, há especulações que a proteína da soja é inferior a do leite para construção muscular e aumento da força em resposta ao exercício físico resistido”.
Ainda, os autores rebatem a crítica com relação ao consumo de alimentos que possuem soja, visto que esses alimentos apresentam isoflavonas (compostos fenólicos, pertencentes à classe dos fitoestrógenos) e poderiam inibir a ativação da mTOR. Contudo, vale destacar que a concentração de isoflavonas, após o processamento, fica em torno de <1mg/100g. Além disso, há dois estudos que demonstram a ação inibitória da das isoflavonas, porém, ambos são em modelo animal, não sendo possível extrapolar os resultados obtidos para humanos.
Por fim, os pesquisadores concluíram que a proteína de soja é uma opção viável para o aumento da força e do tecido em resposta ao exercício físico. Ademais, os resultados indicam que a fonte protéica não parece ser um fator nevrálgico para influenciar os resultados.
Há uma revisão sistemática ainda mais recente, esta foi realizada por ROSA, H., JUNIOR, J. e NUNES, R. (2020), onde os autores chegaram à mesma conclusão que a revisão acima.
Para encerrar, vale reforçar que há outros fatores muito mais importantes do que a fonte de origem protéica:
1. Consistência no exercício físico
2. Dieta “saudável” e hipercalórica (caso a pessoa queira ganhar massa muscular)
3. Sono de qualidade
4. Espaçamento no horário da ingestão protéica (respeitando o efeito músculo cheio)
5. E uma dieta hiperproteíca (visando atingir uma maior concentração de aminoácidos essenciais, principalmente, leucina)
Há muitos outros pontos que devem ser considerados. Contudo, caso você esteja seguindo esses pilares, há uma grande chance de estar no caminho certo.
Referências:
ROGERO, M.; CASTRO, I.; TIRAPEGUI, J. Proteínas. In:
COZZOLINO, Silvia; COMINETTI, Cristiane. Bases bioquímicas e fisiológicas da
NUTRIÇÃO. 1. ed. [S. l.]: Manole, 2013. p. 3-44.
ABREU, V. et al. A importância da alimentação na hipertrofia. Research, Society and Development, [S. l.], p. 1-15, 8 nov. 2021. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/download/22041/19750#:~:text=A%20busca%20por%20alimenta%C3%A7%C3%A3o%20saud%C3%A1vel,quem%20busca%20a%20hipertrofia%20muscular.&text=Em%20destaque%2C%20ressalta%2Dse%20carboidratos,um%20fator%20importante%20no%20processo. Acesso em: 14 jan. 2022.
PIRES, C. et al. Qualidade nutricional e escore químico de aminoácidos de diferentes fontes protéicas. Food Science and Technology , [S. l.], p. 1-9, 26 mar. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cta/a/rZc6S4hLs5dLqhbmNgqwhPb/?lang=pt. Acesso em: 14 jan. 2022.
MESSINA, M. et al. No Difference Between the Effects of Supplementing With Soy Protein Versus Animal Protein on Gains in Muscle Mass and Strength in Response to Resistance Exercise. International Journal of Sport Nutrition and Exercise Metabolism, [S. l.], p. 674-685, 2018. Disponível em: https://journals.humankinetics.com/view/journals/ijsnem/28/6/article-p674.xml. Acesso em: 14 jan. 2022.
ROSA, H.; JUNIOR, J.; NUNES, R. UMA REVISÃO SISTEMÁTICA ENTRE A INGESTÃO DE PROTEÍNA ANIMAL VS PROTEÍNA VEGETAL PARA FINS ANABÓLICOS. Revista Brasileira de Nutrição Esportiva, [S. l.], p. 329-338, 30 set. 2021. Disponível em: http://www.rbne.com.br/index.php/rbne/article/view/1876/1253. Acesso em: 14 jan. 2022.
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